Os pais de Rafael, que nasceu às 26 semanas com 790 gramas, festejam dois aniversários: o dia em que ele nasceu de uma forma completamente inesperada e a data em que finalmente teve alta da Maternidade Júlio Dinis (Porto), 72 dias depois. A mãe, Adelina Alves, admite que ficou sem reacção quando viu Rafael pela primeira vez – “nunca me passou pela cabeça que seria de facto o meu filho” – e confessa que permaneceu como que “anestesiada” durante uma semana: “Estava com ele mas nada me parecia real”.
Ninguém está verdadeiramente preparado para ter um bebé prematuro, conclui Cláudia Pinto, autora do livro Viver a Prematuridade que esta terça-feira é apresentado no salão nobre da Reitoria da Universidade do Porto. Na obra, em que conta a história de Rafael e também a de Luísa, nascida às 30 semanas com 760 gramas, Cláudia passa em revista os últimos dados sobre um fenómeno desconhecido para a maior parte dos portugueses, apesar de ser relativamente comum – em 2014, cerca de oito em cada cem crianças nascidas em Portugal eram prematuras (tinham menos de 37 semanas de idade gestacional).
No ano passado, 6393 bebés nasceram pré-termo (7,7%). Destes, 816 (0,99%) eram crianças “muito pré-termo”, com menos de 32 semanas, as que concentram as atenções dos especialistas por causa da mortalidade e dos riscos de sequelas, como distúrbios de desenvolvimento, défices visuais e auditivos, entre outros.
“Os pais preparam-se durante a gravidez para o nascimento de um bebé bonito, grande, que mama bem e são confrontados com um bebé muito pequeno, com muitos problemas, que não corresponde ao seu imaginário”, descreve no livro a ex-ministra da Saúde, a pediatra Ana Jorge, para quem a taxa de nascimento de prematuros continua em níveis “muito altos” em Portugal, apesar de ter descido ligeiramente desde 2009 (era então de 8,7%) . O fenómeno da prematuridade decorre de múltiplos factores, como o aumento de gravidezes múltiplas associado a tratamentos de fertilidade, a idade materna cada vez mais avançada e o aumento da obesidade.
O lançamento desta obra foi a forma que o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) escolheu para celebrar o Dia Mundial da Prematuridade, que se assinala esta terça-feira. As receitas vão reverter em parte para duas associações de apoio a prematuros e pais de prematuros, porque esta é uma experiência traumatizante e stressante e é necessário continuar a ajudar os pais e as crianças após a saída do hospital.
A equipa que trabalha com Ana Jorge no Hospital Garcia de Orta (Almada) acompanha as crianças até aos oito anos de idade, mas esta está longe de ser a regra. No acompanhamento há “uma grande assimetria”, porque o seguimento dos prematuros não está organizado da mesma forma em todo o país, frisa.
“Nos últimos anos multiplicaram-se as melhorias a nível de cuidados, de tecnologia e de recursos humanos nas unidades de cuidados intensivos neonatais. Mas, depois [da saída dos hospitais], tudo é uma incógnita”, corrobora Cláudia Pinto. Como reflecte a mãe de Luísa, que ficou sem trabalho para poder permanecer com a filha durante 16 meses, em Portugal o apoio é total para a gravidez de risco, mas depois não há subsídios específicos para os pais dos prematuros.
Quando se fala em grandes prematuros, as disparidades são muitas a nível internacional. Em 2010, a prevalência de parto muito pré-termo (entre 28 e 31 semanas) variou entre 0,7% e 1,4%. As taxas mais baixas observaram-se em países como a Islândia (0,7%), a França (0,8%), e a Finlândia (0,8%), e as mais altas na Bélgica (1,4%), na Hungria (1,4%) e na Alemanha (1,3%). Portugal está, assim, no meio da tabela.
Actualmente, “qualquer criança nascida com uma idade gestacional de 28, 29 e 30 semanas tem uma probabilidade elevada de sobrevivência”, ainda que seja “significativa” a probabilidade de sequelas, sintetiza no livro o médico especialista em neonatologia Jacinto Torres, que trabalha no Centro Hospitalar de Gaia/Espinho.
O ISPUP vai também apresentar os últimos resultados de vários projectos de investigação que tem em curso nesta área. Depois do MOsAIC (Models of OrganiSing Acess to Intensive Care for very preterm births in Europe), que se baseou numa amostra europeia de recém-nascidos muito pré-termo recrutada em 2003 – e que mostrou diferenças significativas entre os países participantes na organização de cuidados pré-natais e de apoio neonatal –, o projecto EPICE (Effective Perinatal Intensive Care in Europe), iniciado em 2011-12 em 19 regiões de 11 Estados-membros da União Europeia, já permitiu evidenciar uma evolução favorável. (PÚBLICO, 2015)
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